A proposta de ampliação do tempo de internação de adolescentes autores de atos infracionais foi tema de debate na Câmara dos Deputados, durante o Seminário Nacional Comissão Especial de Medidas Socioeducativas, que teve início na segunda-feira (4) e terminou nesta terça (5) . O Seminário encerrou a etapa da Comissão Especial que visa dar parecer ao Projeto de Lei nº 7197 de 2002 do Senado Federal para permitir a aplicação de medidas socioeducativas aos infratores que atingirem a maioridade penal. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) esteve presente na mesa com a participação da conselheira Sandra Amorim.
A ampliação do tempo da medida socioeducativa de internação foi um dos temas discutidos entre os palestrantes no primeiro dia do evento, sendo a maioria deles contrária à prática. “Devemos refletir sobre o que contribui com a formação dos sujeitos: educação ou prisão”? , questionou a conselheira do CFP,pautada no pressuposto legal de que crianças e adolescentes estão em processo de desenvolvimento, sendo a família , a sociedade e o Estado responsáveis por essa formação, conforme diz a Constituição Federal.
Segundo Amorim, apesar do Brasil ter avançado na redução da mortalidade infantil, a proteção dos direitos da juventude continua precária, considerando que cerca de 9 mil adolescentes são assassinados por ano no Brasil. Dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos apontam ainda que, entre 2002 e 2011, entre os adolescentes, os casos de homicídio apresentaram redução de 14,9% para 8,4%; os de latrocínio (roubo seguido de morte), de 5,5% para 1,9%; e os de estupro, de 3,3% para 1%. Do total da população adolescente no Brasil, apenas 0,09% é identificada como infratora. Ou seja,menos de 1%.
“Quem comete violência contra crianças e adolescentes são os adultos. E antes de violarem direitos, os adolescentes recorrentemente tiveram seus direitos violados”, acredita Sandra Amorim.
A presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Maria Izabel da Silva, reforçou a posição de que há uma cultura da internação e pouco empenho no país pela implementação de medidas em meio aberto, como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Maria Izabel citou outros dados oficiais da SDH da Presidência que informam que a maioria dos internados (95%) é do sexo masculino, sendo que 75% tem entre 16 e 28 anos e 85% é usuário de drogas. “Será que não deveríamos enfrentar o tráfico de drogas por meio da elaboração de políticas públicas que garantam a prevenção”?, indagou a presidente.
O conselheiro do Conanda e representante do Movimento Nacional de Direitos Humanos,Carlos Nicodemos, também criticou a internação compulsória, afirmando que a prática não permite o contraditório e a ampla defesa dos adolescentes. “Isto mostra o nível de vulnerabilidade dos jovens na justiça nacional. O ECA ainda não normatizou garantias individuais com este objetivo”, constatou.
Segundo ele, há uma visão preestabelecida na sociedade de que as medidas socioeducativas visam proteger os adolescentes e que, para proteger, é necessário restringir sua liberdade e privá-los de direitos básicos. “Essa ideia é um grande equívoco, que mostra que não se fez na sociedade a passagem cultural para a doutrina da proteção integral”.
Vulnerabilidades
Um dos pontos mais frágeis das políticas na área envolve, segundo os palestrantes, a falta de implementação das leis, como o ECA e o Sinase – instituído pela Lei 12594, em 2012. “Se não há garantia de direitos fundamentais, não se pode exigir um desenvolvimento saudável para estes adolescentes”, complementou a conselheira Amorim.
No último dia do evento, estiveram presentes o Governador Geraldo Alckmin (PSDB/SP) e o Senador Aécio Neves (PSDB/MG), que defenderam a ampliação do tempo de internação de adolescentes autores de atos infracionais sob o argumento do “clamor social”. Amorim reiterou o uso do adolescente infrator como “bode expiatório” das mazelas sociais e o impacto da mídia sensacionalista no imaginário da população, que muitas vezes sequer conhece o ECA e o Sinase. “Quando se afirma que não há punição para adolescentes infratores, fica claro o desconhecimento das leis”, afirmou.
O conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Pedro Paulo Guerra, argumentou que a redução da maioridade penal não surtirá efeitos materiais e que é preciso antes tratar a causa do problema. “Consideramos importante aumentar o prazo de ressocialização, se for o caso, mas deixar o adolescente internado por tanto tempo faz com que ele perca a fase de formação e a entrada na vida adulta”, concluiu.
Comissão Especial
Há cinco meses foi criada, na Câmara dos Deputados, a Comissão Especial de Medidas Socioeducativas a Adolescentes Infratores. Depois de dez reuniões e de seis seminários regionais, a Comissão realizou o seminário nacional para sistematizar as discussões e agora aguarda o parecer do relator, o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP).
Veja como foi: